O homem criptotóxico
Sobre o fenômeno dos homens de merda
“Criptotóxico” é um termo médico que se refere a algo com propriedades tóxicas ocultas, ou seja, algo que parece inofensivo, mas que acaba tendo um efeito tóxico que geralmente só é percebido mais tarde.
Em geral, quando se fala de evitar pessoas tóxicas, nós falamos sobre identificar sinais de alerta, ou seja, sinais visíveis... O homem criptotóxico se especializa em esconder esses sinais. Isso significa que ele finge ser outra pessoa: finge se importar, finge não julgar, finge ouvir, finge compreender, finge se responsabilizar, finge estar disposto a assumir seus erros e assim por diante.
A principal característica do homem criptotóxico é que ele é aparentemente um “cara legal”, mas trata o afeto de modo “transacional”, ou seja, ele age como se estivesse fazendo um negócio. Mais especificamente, age como se estivesse comprando o afeto de outra pessoa com suas boas ações. Ele se sente merecedor desse afeto por ser legal com a pessoa, e se sente traído quando isso não acontece, como se um direito dele estivesse sendo negado. Nesse ponto ele pode se tornar agressivo, tirando a máscara de “cara legal”. Embora ele culpe a outra pessoa por tê-lo transformado num “cara mau”, ele estava apenas ocultando a própria toxidade, talvez até de si mesmo.
Ser bom (ou pelo menos não-tóxico), para a maioria dos homens heterossexuais, não é algo que é aprendido desde a infância. É algo que geralmente o homem aprende depois de muito esforço ou péssimas experiências. Nós tendemos a agir de modo irresponsável com os sentimentos alheios na juventude, uma vez que a sociedade patriarcal tolera e de certo modo incentiva o homem a ser assim, ao poupá-lo de sofrer grandes consequências. A cultura patriarcal convida o homem a viver essa “aventura inconsequente” na juventude, e poucos resistem a esse convite. Se uma mulher tentar viver essa mesma aventura, ela pode acabar morta muito fácil. As mulheres são ensinadas a temer, julgar e se afastar de mulheres que vivam assim, não apenas por puro preconceito, mas por um mecanismo de defesa, já que essas mulheres correm risco de vida real.
A maioria das mulheres com que eu converso não se enxerga como uma pessoa que foi ensinada desde pequena a cuidar dos sentimentos alheios. Pode ser que eu esteja errado sobre isso, ou pode ser que isso seja tão naturalizado que elas não percebam como cuidado. Quando elas usam a palavra “cuidado”, estão querendo falar de algo muito mais sério. Mas, para a maioria dos homens, o mínimo de respeito e decência, que para as mulheres seria básico, para eles já é um cuidado tão especial que se acham dignos de receber elogios.
A estrutura patriarcal de relacionamento prepara homens para serem legais em troca de um “contrato”. É uma mentalidade de mercado. O homem criptotóxico não se satisfaz com a doação espontânea de afeto. Ele quer a mercadoria pela qual está pagando. O patriarcado é estruturalmente possessivo porque é uma lógica de ganho mercantil, onde só se consegue compartilhar afeto sem ressentimento quando há algo a mais sendo recebido em troca. Mas o criptotóxico transforma isso em virtude.
Embora qualquer relação possa ser tóxica, especialmente aquelas baseadas em amor romântico, as relações dos homens criptotóxicos são especialmente tóxicas porque são mercadológicas. Não é sobre reciprocidade, mas sim sobre tratar o afeto como moeda de troca.
Dificilmente a escolha de uma mulher hétero é entre um homem bom e um tóxico. Geralmente é entre tipos diferentes de toxicidade. Os homens são ensinados a achar que podem conquistar pessoas fazendo coisas extraordinárias, e a tratar pessoas como coisas a serem conquistadas e possuídas, e depois descartadas. A ética da “conquista” exige repressão e manipulação da subjetividade, o que contradiz o respeito à pessoa. A pessoa é tratada como objeto e objetivo a ser alcançado por meio de uma estratégia. Como se fosse uma competição no qual o sexo casual ou a relação de exclusividade são as premiações.
Por isso, depois de conquistada, a mulher perde todo o valor. Eu já vi muitas mulheres se perguntando, nas redes sociais ou em conversas, “por que os homens nos descartam tão facilmente, depois de todo trabalho que deu para nos conquistar”. A resposta pode não fazer sentido para elas: é porque eles não se importam com o resultado da conquista. É o processo que importa. É como um produto que você compra: você o namora por semanas na vitrine, e depois que compra, ele é só mais um no meio das suas coisas. Ele perde toda importância.
A masculinidade tóxica não é a consequência, mas a causa da escassez afetiva, assim como o mercado não é a consequência, mas a causa da escassez material. Tudo retorna a uma questão de relacionamento abusivo. A mudança na lógica de interação, de uma disposição “dadivosa/cooperativa” para uma disposição “mercadológica/competitiva” é o que produz a escassez e, consequentemente, a toxidade que vai nos afastando e nos matando gradualmente por dentro.
O resumo do pensamento criptotóxico é uma frase muito comum usada por influenciadores na internet: “Se eu ofereço X, eu exijo Y”. Se você pensa assim, muito provavelmente você é tóxico. E sim, mulheres também podem reproduzir esse pensamento, como se fosse uma questão de se valorizar. Mas esse tipo de pensamento mercadológico só funciona quando você se reduz a uma mercadoria. Se o que você quer é ser “valorizada” enquanto objeto, trate a relação como uma compra. Mas eu te garanto que isso não vai diminuir o número de violências que você vai sofrer, e as estatísticas comprovam isso. Também não vai diminuir o sofrimento psíquico em relação ao amor, já que ao tratar a relação como transação pragmática, a mulher precisa se mutilar emocionalmente, exatamente como os homens fazem. E sabemos quais são os efeitos patológicos disso.
É uma ilusão. Sai dessa, amiga. Liberte-se. Existe um mundo de possibilidades afetivas que você está perdendo por achar que o amor é um negócio.


